domingo, 30 de janeiro de 2011

Película

Rafael era um grande fã de filmes. Vivia tendo aventuras, dramas e romances. Quando ficava chateado, arranjava logo uma comédia, e fazia com que todos se divertissem.
Ele tinha uma trilha sonora para cada situação, e sabia também usar o silêncio para ampliar os momentos. Adorava diferentes personalidades, com suas qualidades e problemas, e nunca ficava muito tempo sem mudar de personagem. Seus amigos o achavam um tanto quanto excêntrico, e muitos não suportavam as mudanças de gênero constantes. De uma forma ou de outra, marcou presença na escola onde estudava, seja curtindo a vida adoidado ou vencendo um campeonato de karate mesmo machucado.
Quando tinha dez anos, seus pais saíram em uma viagem de férias, esquecendo-o em casa. Pausa dramática. Barulhos do lado de fora. Zoom em seu rosto juvenil assustado. Ladrões tentam invadir a casa. Felizmente Rafael era um garoto esperto, e conseguiu dar conta dos dois meliantes antes mesmo que seus pais voltassem, desesperados.
Aos quatorze, já encarava valentões e - música de vitória - algumas vezes até vencia-os. Aos dezesseis, conheceu uma garota, nova na escola. É, pensou, está na hora da minha primeira comédia romântica. E eles riram, se apaixonaram, tiveram um grande conflito e uma resolução de dar lágrimas nos olhos, e viveram felizes até Rafael resolver viver um drama vencedor de festivais.
Entre umas e outras, ele era feliz. Mas como todo bom filme, a história precisa chegar à um fim, e todos sabem que os melhores sempre terminam tristes, e sem margem para continuações. O de Rafael foi abrupto e simples, sem ramificações aparentes ou ligação com o enredo central, quase uma antítese à todos os acontecimentos extraordinários de sua vida. Com o carro em chamas ao fundo, uma música feita em todas as notas para provocar choro, em câmera lenta, seus familiares se debruçam sobre seu corpo sem vida. Ninguém jamais entenderia o porquê do sorriso discreto, fixo em seu rosto. A música vai silenciando, a câmera se afasta lentamente. Os créditos subiriam, e as pessoas sairiam da sala sem palavras. Foi um belo final, digno de um ganhador de Oscar. Uma obra prima, de uma espetacular simplicidade. Seus pais teriam tempos difíceis, mas com o passar dos anos, reaprenderiam a viver. Porém, isso já é enredo para outro filme. Para Rafael, resta a escuridão da sala vazia e suja de pipoca.

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