sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Vida e morte de um personagem de videogame

Noutro dia eu estava jogando meu Super Nintendo, matando a nostalgia. "Qual é a sensação de perder uma vida?", pergunto ao Mario. "Como assim? Esta é minha única vida, não sei como eu poderia ter outra", responde inocentemente enquanto esmigalha sem remorso alguns goombas sob seus pés. Ele não sabia, não tinha como saber. "O que acontece quando eu desligo o videogame?", insisto. Ele parecia confuso. "Videogame?", indaga. Pela primeira vez em sua existência simples, Mario teve dúvidas. Nunca tinha tido tempo para pensar, sempre estava ocupado demais tentando resgatar a descuidada princesa. A cada início de partida, sua vida iniciava com um simples e único propósito; não existe o antes ou o depois, apenas o agora.

Minha mente se funde à dele, nossos corpos são um só. Eu, ele, nós, não sei mais. Um estranho ballet de botões se inicia. Avançamos bravamente pela fase, derrotando inimigos e atravessando locais de fogo impiedoso sem pestanejar. Em meio a meus devaneios, cometo um erro, perco — ele perde — mais uma vida. Uma morte trágica, estúpida. Se apenas ele — eu, a culpa é toda minha — tivesse tomado um pouco mais de distância naquele pulo, não teria caído no poço de lava. Seus ossos não teriam se desfeito numa chama horrenda. Será que ele teve tempo de sentir dor? Me sinto mal, não por sua morte, mas por minha inabilidade. Raiva, não tristeza. Minha falta de compaixão é aterradora, enquanto pressiono friamente os botões e espero que uma nova partida se inicie.

Lá está ele outra vez, o mesmo bigode, o mesmo macacão, saltitante e quebrando blocos como se nada tivesse acontecido. Esta é minha última chance, estalo os dedos e respiro fundo. "Qual é a sensação de perder uma vida?", pergunto outra vez. "Como assim? Esta é minha única vida, não sei como eu poderia ter outra".